Quando paramos para observar o caminho da religiosidade humana, frequentemente encontramos pessoas que se dizem “cheias de fé” — cuja expressão funciona como um referendo pessoal para o tipo de vida que levam ou, ao fim e ao cabo, acaba virando um “passaporte” para a solução particular de todos os seus problemas. Os arroubos de declarações assim levam-me a pensar que a fé é, geralmente, uma doutrina cristã incompreendida.
Normalmente, não devemos julgar questões de fé, cuja natureza é subjetiva, sua motivação é intrínseca e pessoal, e seus pressupostos interagem basicamente no interior de uma pessoa. Mas penso que é necessário nos manter bem-informados (jamais mal-informados ou desinformados) a respeito. É preciso saber sobre esse assunto demasiado importante, que abrange o certo e o errado, o bem e o mal, e que em última instância decide a nossa eternidade, a ser vivida no céu ou no inferno.
Há pelo menos um princípio fundamental que circunscreve este assunto a uma esfera plenamente mensurável e, portanto, compreensível. É o seguinte: se uma pessoa diz ter fé, essa mesma fé não deve jamais ficar circunscrita ao aspecto subjetivo, mas, sobretudo, deve mostrar-se ao mundo exterior e desembocar em obras correspondentes. Isto porque a fé é assim: “Se não tiver obras, por si só está morta” (Tg 2.17). Ou seja, fé apenas internalizada é fé nenhuma, é apenas uma crendice pessoal inócua e infrutífera.
Por exemplo, se alguém diz ter fé em Deus, a sua vida deve espelhar, principalmente na esfera do caráter, uma excelência que demonstre seu relacionamento com o Eterno. Como pode alguém dizer que crê em Deus e essa fé em nada o transforme, continuando a viver a mesma vidinha pecaminosa de sempre? Sendo assim, por que em muitas vidas faltam os frutos espirituais que se remetam à fé que dizem possuir? Onde está a transformação radical na conduta e perspectiva geral nas suas vidas?
Parece, em geral, que muitos “fiéis”, por mais sinceros que sejam, fracassam completamente em tirar o mínimo proveito da doutrina da fé ou de receber a partir dela qualquer experiência satisfatória. Isso acaba por tornar-se uma negação da própria fé que julgam professar.
Após anos a fio de labuta pastoral, ouvindo e aconselhando os mais diversos tipos de pessoas, tirei preciosas conclusões a respeito da fé que muitos professam. Não pretendo julgá-las, apenas expressar a minha opinião pastoral.
Alguns utilizam a fé como um substituto à obediência. Apegam-se a textos bíblicos isolados, tomados muitas vezes fora de seu contexto, ou então se baseiam nas suas fugazes experiências, para deixar de obedecer aos mandamentos óbvios da Palavra de Deus. Quem crê, obedece. A falha em obedecer é uma prova irrefutável e convincente de que não há verdadeira fé.
Há os que usam a fé como um refúgio da exigência de raciocinar, pois vivem como se a fé fosse um “salto no escuro”. Outros usam a fé como uma fuga da realidade, tentando fazer desaparecer o infortúnio “mediante a fé”, e ficam a repetir “mantras”, talvez na tentativa de vencer Deus pelo cansaço. Há os que utilizam a fé como um esconderijo para um caráter fraco, dando ao mundo um mau exemplo de que pessoas de fé são desprezíveis, quando a Bíblia mostra exatamente o oposto. Algumas pessoas confundem fé com otimismo, circunscrevendo a fé à dimensão das suas próprias emoções e tiques nervosos. E ainda há aqueles que pensam na fé como uma força ou influência.
Ora, se a mudança de um estado de “falta de fé” para outro de “viver pela fé” não faz uma real diferença na vida de alguém, não creio que faça também alguma diferença para Deus. Isto porque está escrito: “Sem fé é impossível agradar a Deus” (Rm 10.17). Fé é confiança em Deus, é uma certeza que vem da revelação da Palavra de Deus: “A fé vem pelo ouvir a Palavra de Deus”; e também: “A fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não vêem” (Hb 11.1,6).
A verdadeira fé, portanto, se apóia no caráter de Deus e não exige outras provas além da perfeição moral Daquele que jamais mente. Mas não para nesse ponto, antes, desemboca em mudança de vida, em atos concretos (boas obras) que Deus preparou para que andássemos nelas (Ef 2.10). É por isto que a fé não pode ficar circunscrita apenas ao aspecto pessoal. Ele tem de se manifestar ao mundo em obras concretas, principalmente em retidão de vida, ou então jamais poderá ser chamada de fé.
Os 105 Anos da Assembleia de Deus refletem os frutos da fé de uma multidão de fiéis que, ao longo de sua história centenária, viveu para Deus e fez grande diferença no mundo. Ainda hoje, todos os nossos desafios são decorrentes da fé. Fé que desemboca em obras. Obras que glorificam a Deus. Assim, podemos dizer: “Tu tens fé, e eu tenho obras; mostra-me essa tua fé sem as obras, e eu, com as obras, te mostrarei a minha fé” (Tg 2.18).
Vamos todos juntos comemorar mais um aniversário da Assembleia de Deus. Assim, com toda a força da fé, podemos afirmar: Assembleia de Deus no Brasil: 105 Anos Fortalecendo a Família!
Samuel Câmara
Pastor da Assembleia de Deus em Belém
E-mail: samuelcamara@boasnovas.tv