Por que uma nova Reforma


pr_samuel

Por que precisamos reformar coisas? Porque algo precisa de reforma quando se deteriora, ou toma curso errado, ou se deforma. Assim, reformar é formar de novo, reconstruir, corrigir, retificar, restaurar. Reformar é fazer um “movimento para trás”, é levar algo à sua situação original.

No âmbito das ideias e dos ideais, não somente a deformação pode ensejar uma reforma; a conformação também a exige. Conformar é assimilar a mesma forma; é estar em conformidade ou de acordo com uma ideia ou ideal; é identificar-se com certo padrão ou crença. A conformação pode ser benéfica e desejável, principalmente quando eleva e liberta. Mas pode ser extremamente perigosa, especialmente quando torna alguém sujeito a padrões que, ao fim e ao cabo, aprisionam, depauperam, engessam e reduzem a vida a um caminhar ensimesmado, egoisticamente concentrado e recolhido em si mesmo.

E a conformação, assim como a deformação, pode também requerer uma reforma. Certamente por isso o apóstolo Paulo recomendou a todos os cristãos: “E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Rm 12.2).

Tomemos o exemplo da reforma Protestante. Quando Martinho Lutero afixou as famosas “95 teses” na porta da catedral de Wittemberg, na Alemanha, em 31 de outubro de 1517, ele estava se insurgindo não contra a Igreja, mas contra suas práticas erradas. Por isso, ele conclamou a Igreja a voltar à obediência da Palavra de Deus e retornar às doutrinas e práticas cristãs primitivas. Aqueles que se ajuntaram a Lutero e se opuseram aos dogmas da Igreja foram historicamente reconhecidos como Protestantes.

Vale ressaltar que a Reforma só aconteceu porque a Igreja estava em franca decadência moral e espiritual. Para aumentar ainda mais suas riquezas, vendia indulgências, cargos eclesiásticos, relíquias e bênçãos. Ao se distanciar do Evangelho de Jesus Cristo, a Igreja se deformou na fé “que uma vez foi dada aos santos” e perdeu seu poder espiritual, conformando-se ao mundanismo vigente e submetendo-se às demandas políticas e econômicas a fim de manter o seu poder social. Esqueceu-se, enfim, dos assuntos do reino de Deus e dos valores espirituais, os quais eram o meio pelo qual o verdadeiro poder espiritual se manifestara em seus primórdios.

Passados 499 anos, não seria precipitado afirmar que, em muitos aspectos, a igreja evangélica oriunda dessa Reforma está a precisar de uma Reforma, como filha e herdeira da mesma. Basta olhar a situação de não poucas igrejas evangélicas hoje. Em muitos aspectos, não estamos muito longe da decadência moral e espiritual que demanda uma Reforma. Muita coisa ficou deformada pelo caminho. Há muita conformação a padrões alheios ao Evangelho de Cristo.

Senão, façamos algumas comparações necessárias.

Os evangélicos não vendem indulgências. Mas não poucas igrejas continuam ensinando e enganando os crentes com a promessa da salvação e prosperidade em troca de um pedágio, exigindo-lhes dinheiro e bens materiais em troca de bênçãos. Os evangélicos não têm um Papa; há inúmeros papas, cada denominação evangélica tem o seu. Não há santos e imagens nos templos evangélicos, mas muitos tratam a Bíblia (ou partes dela) como “amuleto” e a deixam aberta no Salmo 91 para espantar o mal de suas casas. Não há catecismo; mas existem cartilhas espiritualizadas de “usos e costumes”.

Evangélico não celebra missa; mas há cultos liturgicamente engessados, pois se mudá-los Deus não opera mais. Pastores evangélicos não usam paramentos sacerdotais; mas vestem paletó e gravata, sem os quais a unção se esvai. Evangélico tem horror a reza; mas não se incomoda em fazer orações repetitivas, como um mantra para “dobrar” a vontade de Deus. Evangélico não paga promessa nem faz penitência; mas abusa de campanhas e votos, que mais parecem engenhosas maneiras “santificadas” de barganhar com Deus.

Muitos evangélicos, assim como os católicos, pensam que a salvação só é conseguida na “sua” igreja, como se esta fosse um feudo especial do céu.

Desse modo, não são essas mesmas coisas que indicam que a fé evangélica reformada foi sumariamente deformada, posto que conformada com o que há de pior no mundo dos espertalhões da religião de Caim?

Temos ou não uma real necessidade de Reforma? Basta relembrar os quatro princípios fundamentais adotados pelos líderes reformistas do século XVI, para ver o quanto estamos distantes, hoje, do veio principal do Evangelho de Cristo que eles ensejaram para a Reforma.

  1. A religião deve ser baseada nas Escrituras Sagradas, pois nada substitui a autoridade da Bíblia como nossa regra de fé e prática.
  2. A religião deve ser racional e inteligente, significando que, embora a razão esteja subordinada à revelação, a natureza racional do homem não pode ser violada por dogmas e doutrinas irracionais.
  3. A religião é pessoal, ou seja, cada crente deve confessar o seu pecado diretamente a Deus, sem a necessidade de um sacerdote humano para perdoar-lhe. A adoração também é pessoal, de modo que os crentes podem ter comunhão com Deus, individualmente.
  4. A religião deve ser espiritual, não formalista. Isso pressupõe a volta aos princípios evangélicos de simplicidade e pureza, indicando que o cristão era santificado pela presença do Espírito Santo em sua vida interior, não pela observância de formalidades e cerimônias externas.

Tudo o que se deforma ou se conforma, e não se transforma, precisa urgentemente de uma Reforma.

Samuel Câmara

Pastor da Assembleia de Deus em Belém

E-mail: samuelcamara@boasnovas.tv