A diferença entre Ser e Parecer


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O historiador Alfred Duggan conta que, na Roma republicana, os mistérios anuais da “Boa Deusa”, dos quais somente mulheres participavam, tinham lugar na residência oficial do sumo-pontífice César, sob a presidência de sua esposa Pompéia. O jovem nobre devasso Publius Clodius, disfarçado de mulher, compareceu à reunião. Chegou a constar que ele tentara um caso com Pompéia, mas é possível que tivesse ido ali apenas para satisfazer sua curiosidade. Sendo reconhecido, o resultado se tornou dos mais escandalosos, porque os senadores da Comissão de Inquérito pensavam que, por fim, poderiam descobrir o que suas esposas faziam nesse festival.

Como resultado, César imediatamente divorciou-se de Pompéia e mandou-a de volta para a família sem explicações nem desculpas, como era direito de todo marido romano. Mas, perante a Comissão Senatorial, ele protestou que não havia provas a apresentar, pois na famosa noite estivera ausente de casa, como qualquer outro homem deveria estar. Um senador perguntou-lhe por que, nesse caso, se divorciara de sua esposa. E César saiu-se com a célebre resposta: “Não basta à mulher de César ser honesta; é preciso também parecer honesta”.

Para César, no mundo das relações públicas, era necessário evitar a aparência do mal, pois esta, quando estabelecida, poderia causar muito maior dano que o próprio mal. A razão é simples. O mal, uma vez ocorrido, é um fato, fala por si só, por mais abjeto e danoso que seja. A aparência do mal, por ser apenas uma “miragem”, algo que “parece, mas não é”, pode dar ênfase a várias interpretações e mexericos. Esta é a razão do conselho do apóstolo Paulo: “Abstende-vos de toda forma de mal” (1Ts 5.22). Desse modo, não bastava alguém apenas ‘ser’, era preciso também ‘parecer’ o que de fato era. Uma coisa não devia andar sem a outra, sob o risco de a aparência suplantar a realidade.

O problema da relação entre ser e parecer, no entanto, tem outra faceta, igualmente importante de ser notada. Digamos, é o oposto-falso, como se, numa moeda, o lado da efígie não correspondesse à sua inscrição. Isto acontece quando alguém aparenta ser uma coisa totalmente diversa do que é realmente. É o que podemos denominar de “Efeito Denorex”, uma antiga propaganda de anticaspa cujo mote era: “Parece, mas não é”. Por exemplo, um político corrupto contumaz, nas mãos de um marqueteiro, tenta parecer um santo e salvador da pátria.

Quanto ao primeiro caso, há inegavelmente um sem número de cidadãos que levam a vida de modo correto, evitam a todo custo o mal, tentam viver de um modo socialmente impecável. Essas pessoas, em geral, não são notícia; vivem na discrição do anonimato. Na outra ponta, muitas vezes com lugar certo na mídia, estão aqueles que vivem uma coisa em privado, mas tentam nos fazer acreditar noutra em público.

O mundo político brasileiro está cheio de exemplos dos que dão mais valor à aparência do que ao ser de fato. Certo candidato a prefeito, numa eleição, insulta seu oponente com os piores adjetivos. Na eleição seguinte, por estar em posição desfavorável, acaba se aliando a ele. Bem, se insulto fosse elogio, não haveria o que questionar. Mas não é.  Assim também, partidos políticos historicamente antagônicos, nos últimos tempos, costumam se aliar para tirar vantagens eleitorais momentâneas; ou fazem acordos espúrios em troca de cargos. Esse é o veio apodrecido onde subsiste a política republicana de coalizão, que gerou toda a desbragada corrupção agora descoberta pela Lava-Jato.

O instrumento da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), embora não seja uma criação tupiniquim, teve aqui um largo aprimoramento institucional.  Outrora recheada de credibilidade, a CPI ganhou um inegável quinhão de desconfiança pública. Mesmo tendo ajudado a derrubar um presidente acusado de corrupção, e também facilitado na limpeza do Congresso de deputados e senadores envolvidos em falcatruas orçamentárias, várias CPI’s ultimamente têm servido muito mais para fins escusos, principalmente em defender interesses partidários espúrios com chantagens, achaques, intimidações, denuncismo, em vez de se aterem a defender a causa pública.

A Operação Lava-Jato tem sido um instrumento muito eficaz na demonstração de que, no mundo político e empresarial, ser e parecer são coisas bem distintas e muitas vezes completamente antagônicas. Não poucos políticos e empresários, outrora tidos como bastiões da moralidade e da ética, ou só pareciam, na verdade não passavam de aproveitadores e larápios do Erário. Pareciam cordeiros, mas a Justiça está comprovando que são lobos vorazes.

Acredito que o Brasil é muito maior do que é visto lá fora; é muito melhor, é menos corrupto, é menos violento, é menos tudo do que parece. Mas, inegavelmente, a nossa imagem é horrível. O Brasil não é ‘black-bloc’, não é ‘vermelho’, não é ‘esquerdista’, não é ‘corrupto’, não é essa minoria transloucada que quer nos fazer parecer com o estigma do seu grito de desesperados. O Brasil é uma maioria silenciosa que acredita no trabalho duro, que luta e prospera, que acredita na primazia da lei sobre a mamata dos ineficientes e desordeiros.

César tinha razão num ponto. De fato, não basta ser honesto, é preciso também parecer honesto. O equilíbrio nesse quesito é que dá a um povo dignidade e força para continuar sua luta pelo bem de todos, sem desvanecer ou entregar os pontos. Bem aventurado é o povo que assim procede.

Paz sobre todos!

Samuel Câmara

Pastor da Assembleia de Deus em Belém

E-mail: samuelcamara@boasnovas.tv