A carga moral do Brasil


pr_samuel

O Brasil foi comparado recentemente, em dezenas de publicações, com o Titanic, “em festa, mas afundando”, como uma metáfora incontornável da realidade dessa crise política e econômica sem precedentes na história do país. Comparou-se a suposta segurança “inafundável” do navio com a pujança e riqueza agora distantes da economia nacional, assim como as divisões “injustas” de classes do navio como um paradigma para a sociedade brasileira, além de outros exemplos. A muitos pareceu um simples e acabado exagero!

Todavia, se tivéssemos de utilizar uma única e simples metáfora desse exemplo, gostaria de citar a questão moral. Quando o transatlântico Titanic fragorosamente afundou, em 1912, houve muitos rumores de que havia em sua carga uma fortuna em dinheiro, joias e ouro. Porém, quando o manifesto de carga do navio foi descoberto, estava ali registrado que a carga consistia apenas de matérias-primas: linho, palha, peles de animais, peças de carros, couro, elásticos, perucas e equipamentos de refrigeração. Era um mito, não existia tesouro.

A vida também é semelhante. Algumas pessoas são reverenciadas e honradas pela riqueza e poder que possuem, até que uma crise finalmente revele o manifesto de carga de seu patrimônio moral. Tal como ocorre com as pessoas, acontece também com nações e impérios. Quando Sodoma e Gomorra caíram, o manifesto de carga moral mostrou um déficit gigantesco de injustiças sociais. Quando Roma caiu, ficou evidente sua absurda ruína moral. Assim, ressaltamos que a pior crise do Brasil não é econômica nem política, é a crise moral. E é exatamente isso que pode destruir todo o resto do nosso patrimônio.

Infelizmente, há uma equivocada inversão de valores atualmente, quando não poucas pessoas acham que alguém deva ser honrado e reverenciado simplesmente por ser rico e poderoso, mesmo que sua vida privada seja ímpia e reprovável. Por outro lado, se uma pessoa vive uma vida honrada e bem disciplinada, é considerada como menos digna de consideração, principalmente se for pobre. Mas com o tempo, quando o manifesto de carga moral de cada um é encontrado, o que isso finalmente revela? Revela se aquela vida contém algo de valor duradouro, ou nada que valha a pena.

Como podemos avaliar o significado de nossas vidas e o tesouro que elas contêm? Todos nós sabemos que bem no fundo do nosso ser algo nos diz que tal coisa não pode ser medida em termos de riqueza, fama ou poder. Jesus ensina que uma pessoa é conhecida pelo conjunto de suas atitudes na vida: “Pelos seus frutos os conhecereis. Assim, toda árvore boa produz bons frutos, porém a árvore má produz frutos maus” (Mt 7.16,17).

Os discípulos de Jesus gastavam muito tempo tentando descobrir qual deles seria o maior. Jesus falou-lhes repetidas vezes que o maior dentre eles seria aquele que buscasse servir aos outros, não o contrário. E acrescentou dizendo que Satanás havia reclamado o direito de “peneirá-los como trigo”, mas que Ele mesmo havia orado, especialmente por Pedro, para que a sua fé não desfalecesse quando o manifesto de carga moral da sua vida fosse finalmente demonstrado (Lc 22.31). Essa peneiração tinha o sentido de deixar cair o trigo (as coisas boas) e soltar ao vento toda a palha (o que não prestava) de suas vidas.

Conta-se a história de uma dedicada serva de Deus que, embora frágil, tinha forças para cuidar dedicada e amorosamente de doentes terminais de muitas e abjetas moléstias. Um rico proprietário de uma companhia de petróleo, que a visitava e queria destinar uma generosa doação àquele fim, finalmente lhe disse: “Irmã, eu não faria isso por dinheiro nenhum no mundo”. Ao que a franzina mulher respondeu: “Nem eu”.

O manifesto de carga da sua vida demonstrou que o seu tesouro era servir aos outros e isso não tinha preço. Muito diferente de todos aqueles políticos e servidores públicos que só quiseram se locupletar e se tornaram alvos fáceis da corrupção, os quais levaram o país à bancarrota.

Há pessoas cujas virtudes acabam por torná-las alvos fáceis do patrulhamento de gratuitos plantonistas infamantes da virtude, que procuram alardear supostos defeitos, ou o pior “manifesto de carga” possível, e isso transparece como se nada mais houvesse de bom ou valoroso naquela vida. Quando essa maledicência se torna comum, é sinal de que a carga moral de uma nação está apodrecida.

Há situações em que ninguém encontrará nada de errado numa vida, mas mesmo assim dará um jeito de criar situações embaraçosas. Foi assim com Jesus. Por inveja enviaram soldados para prendê-lo, mas estes voltaram dizendo: “Jamais alguém falou como este homem” (Jo 7.46). O manifesto de carga moral da Sua vida dizia que Ele era digno e santo, que “não cometeu pecado, nem dolo algum se achou em sua boca” (1Pe 2.22). Assim tem sido com muitos que buscam viver irrepreensivelmente.

O julgamento da História é implacável. O manifesto de carga moral de uma vida ou de um país inteiro será a palavra final do tipo de tesouro que representou toda a sua existência.

O Titanic não tem mais jeito; o Brasil, porém, não só tem jeito como pode sair da crise mais fortalecido, não só na economia e na política, mas principalmente na moralidade da nossa nação. Depende, portanto, de querer resgatar seus valores morais e de saber aonde quer chegar e do que está disposto a fazer para alcançar o porto seguro.

Samuel Câmara

Pastor da Assembleia de Deus em Belém

E-mail: samuelcamara@boasnovas.tv