No início do Século XVI, o mundo estava no limiar de grandes mudanças, as quais alterariam para sempre a forma de as pessoas verem a vida e o mundo ao seu redor. No aspecto político, as mudanças ocorrem com o surgimento das nações-estados, quando a Europa começa a se fragmentar em países politicamente independentes uns dos outros. Surgem então países como a Inglaterra, França, Espanha, Portugal, livres e soberanos, não mais subordinados a um poder central e dominador, anteriormente representado pelo papado.
No aspecto geográfico, as grandes navegações realizadas por Portugal e Espanha, que logo se tornaram duas superpotências, desencadearam as grandes descobertas de novas terras, fazendo com que o mundo não se limitasse mais à Europa. O novo mundo trouxe novos horizontes de conquista e expansão, com seus desafios e problemas, mas também com suas enormes riquezas.
As mudanças políticas e geográficas forneceram as bases para grandes mudanças intelectuais. Dentre as grandes transformações intelectuais, destaca-se o surgimento do humanismo cristão, capitaneado por um profundo interesse pelo estudo das Escrituras Sagradas e das línguas bíblicas originais. Foi quando se começou a fazer uma primorosa comparação entre o Novo Testamento e o que a Igreja Católica Romana estava vivendo. Destaca-se entre os humanistas o célebre Erasmo de Rotherdan, que influenciou os reformadores com o seu notável Novo Testamento Grego.
Na esteira dessas incontornáveis mudanças, ocorreram também mudanças religiosas, em contraposição ao autoritarismo da Igreja Católica Romana, que se tornou insustentável. De certa forma, ficou patente que o catolicismo romano não mais preenchia os anseios espirituais do povo que buscava uma religião satisfatória e prática, tampouco respondia às suas indagações e expectativas quanto ao futuro e a eternidade.31
Nesse ambiente vicejou uma indefectível reforma da religião, cujo escopo tinha a finalidade de levar as pessoas a se aproximarem de Deus “sem outros intermediários” e tão somente através de um relacionamento íntimo com Ele através da fé em Jesus Cristo.
Foi então que um obscuro monge chamado Martinho Lutero, em 31 de outubro de 1517, afixou um documento composto de 95 teses na porta da Catedral de Wittemberg, na Alemanha, no qual conclamava a Igreja a voltar à obediência da Palavra de Deus e às práticas evangélicas da Igreja Primitiva, conforme constam nas Sagradas Escrituras. Esse evento simples, normalmente utilizado por aqueles que queriam discutir publicamente alguma proposta acadêmica de cunho bíblico ou teológico, tomou um volume descomunal, até que desencadeou o que conhecemos historicamente como a Reforma Protestante.
Gostaria de ressalvar a minha absoluta despretensão em polemizar com os cristãos católicos, a quem respeito e amo no amor de Jesus. Mas posso considerar, com a ênfase que o caso requer, que a Reforma só aconteceu porque a Igreja estava espiritualmente em decadência, pois se distanciara muito da pureza do Evangelho. Naquele tempo, a Igreja preocupava-se mais com as questões políticas e econômicas do que com os assuntos espirituais. Assim, ao buscar aumentar ainda mais suas riquezas, vendia indulgências, cargos eclesiásticos e relíquias, tudo como forma de os fiéis adquirirem bênçãos ou simplesmente se manterem submissos ao sistema.
Agora, já chegando aos quinhentos anos da Reforma Protestante, não seria precipitado afirmar que, em muitos aspectos, precisamos de uma Reforma dessa Reforma. Basta observar a atual situação das igrejas, tanto evangélicas como católicas, e constatar a pouca influência que produzem na sociedade. Se isso não bastar, não custa olhar a situação do Brasil para constatar que falta luz nas densas trevas morais do país e falta sal para preservar o tecido social da nação em face dessa espessa corrupção ética.
O contexto em que vivemos, hoje, no Brasil é profundamente preocupante, com um país dividido e em crise. E tal crise tem nome e origem: pantagruélica roubalheira dos cofres públicos, sob os auspícios de uma malfadada cleptocracia esquerdista; corrupção desmedida e normalizada no governo, sob o patrocínio do aparelhamento do estado brasileiro; inflação sem controle, economia estagnada, desemprego em alta; degradação das instituições democráticas; socialização da pobreza; hipocrisias escabrosas, mentiras e baixarias inomináveis no trato político, risco à liberdade democrática etc.
Basta! Em muitos aspectos, não estamos muito longe da decadência moral e ética que precede uma verdadeira reforma. É bom lembrar que algo precisa de reforma quando se deteriorou, ou tomou curso errado, ou se deformou. Assim, reformar é formar de novo, reconstruir, corrigir, retificar, restaurar. Em suma, reformar é fazer um “movimento para trás”, é levar algo à sua situação original.
Precisamos de uma Reforma urgente! Precisamos de uma nova Reforma que nos faça voltar à Palavra de Deus, estudá-la, conhecê-la, praticá-la. Quanto mais obedecermos a Palavra de Deus, ainda mais saberemos sobre a vontade de Deus para as nossas vidas e o seu propósito para a totalidade da história, nossa e do Brasil.
Precisamos de uma Reforma que nos faça retornar ao espírito da primeira Reforma, que evidenciava principalmente a verdade bíblica como norteadora de todas as áreas da vida. Sem a verdade da Palavra de Deus não há Reforma que valha o próprio nome.
Precisamos de uma Reforma da Reforma que nos ajude a manter a prática dos elevados valores cristãos com racionalidade e inteligência, posto que livres em Cristo. Portanto, não devemos nos subordinar a critérios religiosos ou políticos que violem a nossa consciência, principalmente na hora de escolher, apoiar ou rejeitar os nossos governantes, quando isso for necessário.
Precisamos reformar a Reforma, elevando em nós o desejo ardente de manter uma vida limpa e santificada, priorizando acima de tudo a comunhão com Deus, levando-nos a andar de cabeça erguida, com simplicidade e pureza, no exercício da nossa santa influência social como sal da terra e luz do mundo.
Precisamos de uma nova Reforma que nos ajude a ajudar o Brasil a alcançar a posição que corresponda à sua grandeza e importância. Reforma já!
Samuel Câmara
Pastor da Assembleia de Deus em Belém
E-mail: samuelcamara@boasnovas.tv