Diz o ditado popular que em terra de cegos quem tem um olho é rei. Alguém já acrescentou que quem tem dois olhos vende mais. Bobagem! Nem uma coisa, nem outra. Quem tem um olho só é apenas caolho. E ter dois olhos não garante venda.
Claro, estamos tratando de metáforas, nada contra as pessoas portadoras de deficiências visuais. Por isso, na vida, é preciso manter os olhos bem abertos. Principalmente quando há pessoas que têm olhos, mas não veem. Não veem porque não querem ver, muitas vezes se recusando a enxergar o óbvio, mas guiados por ilhargas de plantão, cujos conselhos são mensagens preparadas ao gosto do freguês, que apontam para o que olhar, por onde andar e o que ouvir.
Há um peixe muito estranho nativo da região amazônica chamado “tralhoto” ou “quatro-olhos”, que vive sempre à flor da água, com olhos divididos em duas porções, uma para ver fora da água e outra para ver dentro dela. Ele teve os seus olhos equipados com lentes para ar na parte superior e lentes para água na parte inferior. Assim, quando ele está a nadar pela superfície da água, pode olhar ao mesmo tempo para o mundo acima dele e para o mundo subaquático. Esse peixe definitivamente sabe tirar proveito dos dois mundos.
Esse conceito de “olhar para dois mundos” deve estar presente no coração de cada crente em Jesus. Ao caminharmos pela vida, precisamos olhar para o céu e também para o mundo que nos rodeia. O olhar em direção ao céu nos capacita a concentrarmo-nos no que Deus diz na Sua Palavra, naquilo que é verdadeiro e certo, nos mostra o caminho da obediência ao Senhor.
O olhar para o mundo, por sua vez, nos ajuda a ver as oportunidades de demonstrar o amor e a misericórdia de Cristo para as pessoas presas nos grilhões do pecado. Nos ajuda também a orar com mais empenho para que o Brasil não apodreça de vez. Nos ajuda a rogar intensamente ao Senhor para que levante líderes que temam a Deus, cujos olhos estejam abertos para entender como servir e respeitar o povo, em nome de quem exercem o poder.
Precisamos de homens e mulheres que vivam o padrão de uma “vida de quatro olhos”, pois não fazê-lo é o mesmo que negar a essência dos valores para os quais fomos chamados a viver “como filhos de Deus inculpáveis no meio de uma geração pervertida e corrupta, na qual resplandecemos como luzeiros no mundo” (Fp 2.15).
Jesus preconizou duas coisas a respeito da Sua Igreja, às quais precisamos sempre retornar para manter a nossa fé e reforçar a nossa esperança, e para cumprirmos a nossa missão no mundo. A primeira, que a Igreja seria indestrutível. Ele disse: “Edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16.18). De fato, historicamente, nada tem conseguido parar ou destruir a Igreja de Cristo.
A segunda, que esta deveria ser relevante e fazer diferença no mundo. Ele ordenou: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado” (Mt 28.19,20).
A primeira depende única e exclusivamente de Jesus, e Ele está cumprindo fielmente a sua parte. A segunda depende de seus seguidores. E é exatamente nessa perspectiva que repousa o fato de sermos ou não relevantes no mundo.
É absolutamente admirável o fato de que o maior e mais constante perigo com o qual a Igreja se defronta não é o Diabo, não é a morte, não é o de enfermidades ou doenças, não é o pecado, pois Jesus foi vencedor contra os mesmos na cruz (Is 53.4-6; 2Co 5.21). O maior e mais constante perigo com o qual a Igreja se defronta é a irrelevância.
Ressalte-se que a relevância básica que realmente importa é a que aponta para as necessidades profundas das pessoas: necessidade de salvação e de sentido na vida.
O desafio que se impõe é imenso. Precisamos usar de todos os meios disponíveis para pregar o Evangelho da graça de Deus, pois muitas pessoas ao nosso redor estão cegas e perecendo sem Cristo. Muitos buscam ajuda em outros “deuses”, ídolos que são somente obras das mãos de homens, cujos olhos não veem nada (Sl 115.5).
Se a Igreja falhar em ser sal da terra e luz do mundo, como Jesus preconizou, parece que nada mais impedirá o Brasil de apodrecer moralmente. E, nesse caso, seria a república dos caolhos num país de cegos, porque ninguém quer ver.
Só os que conhecem a Cristo e são conhecidos por Ele estão em condição de ver os dois mundos. Nossos olhos foram abertos para obedecermos a Palavra de Deus e para levarmos as boas novas da salvação de Cristo para as pessoas cegas porque “mortas em seus pecados”. Anunciemos que ninguém precisa ser caolho ou cego, espiritualmente falando, pois Jesus veio “para alumiar os que jazem nas trevas e na sombra da morte, e dirigir os nossos pés pelo caminho da paz” (Lc 1.79).
E isso que torna a Igreja relevante. É isso que significa viver uma “vida de quatro olhos”, quando dois olhos não são o bastante.
Samuel Câmara
Pastor da Assembleia de Deus em Belém
E-mail: samuelcamara@boasnovas.tv