Em seus primórdios, o Cristianismo enfrentou as mais cruéis e ferozes oposições, exatamente porque, numa sociedade de classes tão definidas e sem nenhuma mobilidade social, trazia a mensagem de valoração do ser humano numa escala nunca vista antes, na qual colocava todos os homens com o mesmo valor diante de Deus. E não somente isso, mas também que Deus se importava com cada pessoa. Tal choque de igualdade mereceu também uma ferrenha oposição intelectual, no segundo século, pelo filósofo romano Celso, que tentou desacreditar a fé bíblica numa desdenhosa crítica em seu livro Discurso Verdadeiro. Ele escreveu: “A raiz do Cristianismo é a sua excessiva valoração da alma humana e a ideia absurda de que Deus se interessa pelo homem”.
O que se viu em Celso foi que, às vezes, um inimigo da verdade de Deus se torna, involuntariamente, em um divulgador dessa verdade. Assim, mesmo se opondo à verdade cristã, Celso estava falando a mais pura e incontrastável verdade. De fato, para quem nega a Deus, parece mesmo absurdo que o Criador Todo-Poderoso iria ter tão profundo interesse pessoal por meros e insignificantes mortais. Ora, na realidade, a essência do Evangelho é exatamente essa. A Bíblia nos trouxe a revelação de que somos feitos à imagem e semelhança de Deus (Gn 1.26).
Visto pelas lentes do filósofo romano, o ser humano não vale lá muita coisa, a não ser que pertença a uma classe superior. Mas, olhando-se através dos olhos de Cristo, pode-se ver que Ele nos valoriza, mesmo quando somos pecadores. Doutro modo, por que então teria morrido na cruz por nós? Por isso, alguém disse que trazemos presa sobre cada um de nós a etiqueta do preço do Calvário. Ora, o preço da redenção era tão alto que ninguém poderia pagar a Deus o resgate de uma alma (Sl 49.7,8). Mas Cristo o fez… Ele “me amou e a si mesmo se entregou por mim” (Gl 2.20).
Desse modo, cada átomo do nosso valor vem de Deus. E as Escrituras, ainda assim, afirmam que Deus se importa comigo, com você, com cada um dos mais de sete bilhões de pessoas na terra. “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16).
Todavia, quando enfrentamos alguma situação difícil na vida, muitas vezes nos sentimos tentados a perguntar: “Será que Deus se importa?”. Essa pergunta normalmente é fruto de uma das armadilhas de se viver neste mundo conturbado. Ao fazê-la, damos a impressão de que estamos interessados no que Deus pensa, mas é só uma impressão. De fato, acabamos nos concentrando demasiadamente nos problemas e colocamos neles o foco da nossa atenção, não em Deus. E isso nos esmaga e pulveriza o valor que temos aos nossos próprios olhos.
Muito embora a maioria das pessoas provavelmente não fique surpresa em saber que os problemas fazem parte da vida, eles acabam por servir como um teste na nossa relação com Deus. E, de fato, todos nós os conhecemos de forma íntima e pessoal – saúde debilitada, falta de dinheiro, conflitos conjugais, tristeza, desemprego, perseguições, entre muitos outros.
Gradualmente, nossos problemas começam a parecer enormes, maiores do que realmente são, e acabam por ofuscar a nossa fé, o que faz com que a força do Deus Todo-poderoso pareça pequena diante dos obstáculos enfrentados. Assim, em vez de movermos montanhas pela fé simples no Deus que tudo pode, nos tornamos constantemente preocupados, criando montanhas de pressões desnecessárias sobre nós mesmos e sobre os outros. A pergunta que vaza de nossa alma conturbada, se Deus se importa, aliada à “certeza” de que não temos tanto valor assim, só acontece quando perdemos a perspectiva correta: quem é realmente grande, os nossos problemas ou Deus?
O fato inconteste é que sempre enfrentaremos problemas, mas isso, de modo nenhum, quer dizer que não tenhamos valor diante de Deus, ou que Deus não se importe conosco. Os problemas estão para a vida assim como os obstáculos para os esportes. Os esportes são uma lição para vida, de como devemos enfrentar as adversidades. Qualquer que seja a prova, os obstáculos estão lá para serem superados. Jesus disse: “No mundo, passais por aflições; mas tende bom ânimo; eu venci o mundo” (Jo 16.33). Esse “bom ânimo” só pode ser produzido por uma nova perspectiva de fé simples no Senhor que venceu e pode nos ajudar a vencer também.
Portanto, não estranhemos quando os problemas surgirem, pois eles servirão para revelar o valor e a fibra moral da nossa alma, assim como testar a nossa resistência. Uma forma eficaz de lidar com eles é continuar confiando em Deus enquanto persistimos em fazer o bem (1Pe 4.19). Deus não somente nos oferece essa nova perspectiva, Ele também nos concede algo que nos habilitará a viver nessa perspectiva.
Se dependermos de Deus, Ele renovará a nossa força e as “asas da fé” levantarão a nossa alma acima das circunstâncias onde campeiam as dificuldades (Is 40.31). Algumas dificuldades podem ser enormes, mas nós poderemos vê-las menores do que Deus, na certeza de que o próprio Deus nos valoriza e também se importa conosco. E isso faz toda a diferença!
Samuel Câmara
Pastor da Assembleia de Deus em Belém
E-mail: samuelcamara@boasnovas.tv