Geralmente não se pensa muito na importância das pequeninas coisas da vida. Que é um botão, um alfinete? Entretanto, ele segura um vestido que cai, um papel que ia se perder e do qual, às vezes, dependeria a sorte de uma família. Que coisa pequenina é uma palavra! Mas, dita a propósito, é suficiente para impedir uma queda, reparar uma falta e colocar um desvario de volta à sanidade. Pouca coisa, enfim, é uma lágrima, e ela pode aplacar a cólera, acalmar a dor, despertar o arrependimento, restabelecer a felicidade. Isso torna culpável o nosso desdém, quando dizemos assim: “Isso não tem valor; é como um alfinete, é só uma palavra, não passa de um minuto”. Mas os minutos é que fazem as horas; e as horas, os dias.
É admirável ver como os pequeninos acontecimentos da vida diária tendem para o nosso bem ou mal, muito embora no momento nem o percebamos. Sabemos que, quando o escultor começa seu trabalho, com golpes rijos ele tira de um bloco maciço grandes pedaços. Cada golpe faz muita diferença. Porém, quando a escultura está quase pronta, ele toma o pequeno cinzel e tira apenas partículas. Quase não se vê a diferença; mas o escultor trabalha com toda a arte e habilidade; e assim conclui a sua obra.
Portanto, chega um tempo em que temos de pensar a respeito do valor que damos aos eventos da nossa vida, principalmente os que denominamos “pequenos”, e também às pessoas, inclusive àquelas com as quais pouco nos importamos. Não “valor” em termos monetários, mas na proporção de sua qualidade e importância, ou termos de seu valor intrínseco e no que a sua conquista representou. É quando sentimos a necessidade de olhar para trás e tomar atenção para o rastro que deixamos na vida. Nessa hora, a própria história cobra uma resposta: O que realmente valeu a pena eu ter vivido? Que valor eu dei à vida que Deus me deu?
Isso aconteceu com o patriarca Jacó, na sua imigração ao Egito, cujo filho José era o Governador. Jacó teve um encontro com o Faraó, que lhe perguntou: “Quantos são os dias dos anos da tua vida?”. E Jacó lhe respondeu: “Poucos e maus foram os dias dos anos da minha vida” (Gn 47.8,9). E ele era um idoso de 130 anos. Trocando em miúdos, Faraó não se estava tratando de cronologia; ele só queria saber o quanto a vida de Jacó tinha valido a pena. A resposta de Jacó é esclarecedora: os dias que realmente valeram a pena foram bem poucos. De fato, basta ler a narrativa bíblica para se constatar.
O que mais vale a pena em termos de experiências de vida são aquelas situações sobre as quais dizemos de alma limpa: “Eu faria tudo de novo”. Nada a retocar, nada a acrescentar. Sobre a pessoa companheira da nossa vida, depois de anos de relacionamento conjugal, sabe-se que foi ideal quando se pode dizer: “Eu me casaria de novo”. E por aí vai… Infelizmente, há quem só pensará em valorizar o que tem quando o perder. Quando o casamento acaba por causa de um relacionamento fortuito, quando os filhos vão embora etc. Por terem deixado de curtir os relacionamentos enquanto estavam na mesma casa, não ficam sequer as lembranças do que poderia ter sido e não foi.
Alguns, por não pensarem a partir do valor das pessoas, e sim das coisas, sacrificam tudo o mais para obterem “sucesso”, quer isso seja traduzido em fama, dinheiro, poder etc. Ao focarem o “ter” e não o “ser”, talvez seja tarde demais quando o buraco existencial trouxer a cobrança da conta “impagável”, e então faltarem amigos, família, amor e paz. Porque é isso que tem um imenso valor, que nenhum preço pode estipular.
Há pessoas que gastam parte de suas vidas e os melhores de seus dias para ganhar muito dinheiro, e então passam a outra parte para tentar comprar o que dinheiro não pode comprar: amor, paz, amigos. Tudo o que o dinheiro pode comprar não é caro. Caro é o que dinheiro não pode comprar. Esses paradoxos e incongruências da vida são uma arapuca emocional que a muitos aprisiona. Vão longe demais, perdem o que podiam ter conservado, depois gastam tudo o que têm para obter o que já tinham e perderam. Ou seja, o preço pago é muito maior, sem se obter as condições mínimas de refazer o valor da vida que se perdeu no caminho.
Quando o famoso guitarrista Jimi Hendrix, no final de um concerto em 1971, destruiu sua guitarra, a plateia gritou e aplaudiu, mas os aplausos frenéticos pararam subitamente. Jimi tinha caído de joelhos, permanecendo imóvel. Depois, quebrou o silêncio dizendo: “Se você conhece a paz verdadeira, quero me encontrar com você nos bastidores”. Surpreendentemente, ninguém respondeu ao seu apelo. Jimi morreu dias depois de overdose de drogas, asfixiado em seu próprio vômito, deixando um bilhete de suicídio.
Ao fazermos um balanço, descobrimos que a felicidade finda estando nas coisas simples e ao alcance de todos, não nas sofisticações que terminam por frustrar a maioria, pois são privilégio de poucos. Isso confunde as pessoas, pois quando a vida é encaminhada em função da filosofia do “ter” para “ser”, e não o oposto, talvez só tardiamente se descubra que por não ter sido não valeu a pena ter tido.
Alguns permanecem imersos na simplicidade e não sabem avançar; outros se tornam densos de sofisticação e não sabem retornar. Assim, naquilo em que focamos o nosso interesse está a matriz que vai dizer que valor conferimos à vida que Deus nos deu. Tal como disse Jesus: “Onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração”.
Samuel Câmara
Pastor da Assembleia de Deus em Belém
E-mail: samuelcamara@boasnovas.tv