O sábio Salomão escreveu: “Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o coração, porque dele procedem as fontes da vida” (Pv 4.23). O profeta Jeremias, por sua vez, focaliza o potencial de malícia que um coração pode esconder, quando diz: “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto; quem o conhecerá?” (Jr 17.9).
Jesus focaliza a natureza do coração exposta no próprio modo de falar de cada um, quando afirma: “O homem bom do bom tesouro do coração tira o bem, e o mau do mau tesouro tira o mal; porque a boca fala do que está cheio o coração” (Lc 6.45). Mas Jesus também amplia esse conceito, quando fala sobre o potencial maligno que há em um coração, quando disse: “Porque do coração procedem maus desígnios, homicídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos, blasfêmias”. E acrescenta que são exatamente “estas as coisas que contaminam o homem” (Mt 15.10-20).
O escritor russo Fiodor Dostoievski, falando sobre o que o coração pode escamotear, em Notas do Submundo, escreveu o que todos sabem, embora nem sempre gostem de admitir: “Há certas coisas no passado de um homem que ele não conta a todos; conta, talvez, a alguns amigos. Há outras coisas que ele não conta nem mesmo para os amigos; contaria, talvez, para si mesmo e, ainda assim, em segredo. E, finalmente, há coisas que ele teme falar até para si mesmo, e todo homem decente acumula coisas como essas no coração”.
Davi, o rei de Israel, teve de se defrontar com essa “intocável” realidade dos segredos mais íntimos do seu coração. Ele sabia que havia coisas que todo mundo em Israel conhecia: suas vitórias e derrotas, suas virtudes e defeitos, sua retidão e pecados. Mas havia outras coisas que só ele sabia. E teve de admitir que essas coisas, mesmo encobertas nas fronhas de sua alma, Deus também as conhecia.
A diferença entre o que Dostoievski retrata e a maneira como Davi enfrentou essa questão é absolutamente interessante.
Davi escreveu o Salmo 139: “Senhor, tu me sondas e me conheces. Sabes quando me assento e quando me levanto; de longe penetras os meus pensamentos. Esquadrinhas o meu andar e o meu deitar e conheces todos os meus caminhos. Ainda a palavra me não chegou à língua, e tu, Senhor, já a conheces toda. (…) Para onde me ausentarei do teu Espírito? Para onde fugirei da tua face?”
Davi primeiro reconhece que Deus é Onisciente, Ele sabe tudo. Nada pode ser encoberto diante dos Seus olhos, que a tudo perscrutam. Mas Davi, em vez de tentar fugir de Deus, acha-se incapaz de fazê-lo. Ele sabe também que Deus é Onipresente, está em todo lugar. Assim, ele continua:
“Se subo aos céus, lá estás; se faço a minha cama no mais profundo abismo, lá estás também; se tomo as asas da alvorada e me detenho nos confins dos mares, ainda lá me haverá de guiar a tua mão, e a tua destra me susterá. Se eu digo: as trevas, com efeito, me encobrirão, e a luz ao redor de mim se fará noite, até as próprias trevas não te serão escuras: as trevas e a luz são a mesma coisa”.
Davi sabia que até mesmo no quarto mais escuro, nos momentos de agonizantes trevas emocionais, nas ocasiões quando a alma está sucumbindo porque não tem mais luz, quando todas as esperanças já se apagaram, ali mesmo a mão do Senhor estava disponível para guiá-lo. Ele sabia que “Deus é luz e não há Nele treva alguma”. E a luz de Deus, em vez de subjugá-lo, vem para libertá-lo da dor da solidão escurecida da alma que sofrera um apagão espiritual.
Quando Davi sai de sua escuridão existencial, começa a reconhecer a grandeza de Deus em outra dimensão. Ele reconhece que Deus não só sabe tudo e está em todo lugar, mas também é Onipotente, Ele pode tudo. E escreve:
“Pois tu formaste o meu interior tu me teceste no seio de minha mãe. Graças te dou, visto que por modo assombrosamente maravilhoso me formaste; as tuas obras são admiráveis, e a minha alma o sabe muito bem; os meus ossos não te foram encobertos, quando no oculto fui formado e entretecido como nas profundezas da terra”.
O mais interessante é que Davi não pensa na Onipotência de Deus como a expressão de uma estrondosa força cósmica intergaláctica; antes, pensa no seu interior e no modo assombroso como Deus o formou. O cosmos exterior não era mais notável que as complexidades do seu interior.
Ele crê que seu futuro estava nas mãos de Deus: “Os teus olhos me viram a substância ainda informe, e no teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nem um deles havia ainda”.
Diante disso, irrompe em louvores, reconhece os pensamentos de Deus a seu respeito como “preciosos”, longe da mesquinhez da religiosidade esmagadora. Então, Davi escancara o coração e pede a Deus: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração, prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau e guia-me pelo caminho eterno”. Quanta confiança!
Deus não é contra você, Ele quer que você o conheça, enquanto também se conhece melhor. Agora, sabendo você que Deus conhece os segredos do seu coração, mas não lhe rejeita, você ainda vai tentar fugir Dele?
Samuel Câmara
Pastor da Assembleia de Deus em Belém
E-mail: samuelcamara@boasnovas.tv