Nas catacumbas de Roma, foram encontrados maravilhosos atestados da graciosa fraternidade que prevalecia na Igreja Primitiva. Os corpos de membros da mais alta sociedade romana ali estão lado a lado com os despojos de humildes camponeses, e até mesmo de escravos. As inscrições naquelas sepulturas de cristãos dos primórdios da fé não fazem referência a posição ou casta. Eram irmãos em Cristo, que se amavam e serviam-se mutuamente, e isso era o bastante. Eles levavam a sério o que Jesus lhes dissera: “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros” (Jo 13.35). E para eles, a melhor expressão de amor era servirem uns aos outros como iguais em Cristo.
No mundo em que vivemos, a palavra servir é vista com um minimalismo que a coloca num patamar de inferioridade como algo extremamente negativo, cuja ação correspondente é destinada apenas aos fracos. Aliado ao egoísmo latente da natureza humana decaída, talvez seja esse o motivo por que tão poucos se dignem a servir ao próximo. O oposto, sim, é que geralmente é buscado. O pequeno serve; o grande, é servido.
A razão de ser dessa inversão de valores é que o mundo define grandeza em termos de poder, prestígio, fama, posses e posição social. Desse modo, se alguém consegue que outros o sirvam, esse é o sinal inequívoco de que conseguiu poder e prestígio.
Jesus, obviamente, não pensava assim. Quando os discípulos Tiago e João lhe pediram posição de destaque, Jesus chamou-os e disse-lhes: “Quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será servo de todos” (Mc 10.43). Para Jesus, a verdadeira grandeza se expressava essencialmente pela atitude de amar e servir. Certamente, por isso, Ele ensinou que o maior de todos os mandamentos é o amor, em resposta a uma sincera indagação de um líder judeu: “Amar a Deus de todo o coração e de todo o entendimento e de toda a força, e amar ao próximo como a si mesmo, excede a todos os holocaustos e sacrifícios” (Mc 12.30-33).
Pelos ensinamentos de Jesus, o amor que não desembocasse em uma ação concreta de serviço abnegado não mereceria ser chamado por esse nome. Não bastava ser religioso. Ser cumpridor dos ditames estritos da lei tinha o seu valor moral, obviamente, mas pouco contava para sensibilizar o coração de Deus. Na conhecida parábola “O bom samaritano”, que acentua o valor e a necessidade de o amor ser expresso em serviço abnegado, foi exatamente isso que Jesus procurou ensinar.
O contexto da história é seguinte: um intérprete da Lei procura Jesus para testá-lo, perguntando-lhe o que teria de fazer para herdar a vida eterna. Jesus, como de costume, em vez de responder, faz-lhe outra pergunta, sobre como aquele sábio judeu interpretava o que estava escrito na Lei. A isto ele respondeu: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento; e: Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Então, Jesus lhe disse: “Respondeste corretamente; faze isto e viverás”. Mas o homem, querendo justificar-se, perguntou a Jesus: “Quem é o meu próximo?”.
A partir daí, Jesus conta a sua famosa parábola. Um homem fora assaltado e apanhara muito, sendo deixado semimorto. Dois graduados líderes religiosos passaram por perto, mas nada fizeram. Nisso passou um samaritano, um pecador comum, que tomou aquele homem moribundo e cuidou de suas feridas; levou-o a um hotel, pagou a conta e, em seguida, disse ao hospedeiro que se mais fosse gasto, pagaria tudo depois quando voltasse. Nesse ponto, Jesus retorna a pergunta àquele homem: “Qual destes três te parece ter sido o próximo do homem que caiu nas mãos dos salteadores?” Quando ele respondeu: “O que usou de misericórdia para com ele” – então, Jesus lhe disse: “Vai e procede tu de igual modo” (Lc 10.25-37).
Podemos demonstrar amor de várias maneiras, mas a melhor delas é servindo a Deus e ao próximo. Proferir uma palavra amiga, fazer um elogio sincero, prestar uma ajuda, oferecer o amparo do ombro amigo, ouvir com o coração, socorrer ao necessitado, enfim, todas essas são formas autênticas de servir e amar ao próximo. Não existe amor que não sirva ao próximo.
No livro “Ele é a nossa vida” (publicado em Alemão: Er ist unser Leben), o autor conta que o missionário Stanley Jones perguntara ao Mahatma Gandhi o que se deveria fazer para introduzir o Evangelho na Índia. Ghandi teria respondido: “Primeiro que tudo, eu aconselharia os cristãos a começarem entre si mesmos a viver como Cristo viveu”.
Stanley Jones sabia que, através dos olhos de Gandhi, o observavam os trezentos milhões de habitantes da Índia (da época; hoje são mais de 1 bilhão), e como que estivessem a dizer: “Se os senhores quiserem vir a nós no espírito de seu Senhor, não lhes poderemos resistir. Nunca foi lançada ao Ocidente um repto maior que esse, e nunca foi feito com maior sinceridade do que nessa ocasião, pelo Mahatma.
“Em segundo lugar” – prosseguiu Ghandi – “eu aconselharia que traduzissem em atos a sua religião, sem lhe fazer violência e a rebaixar”. Com estas palavras o maior vulto não-cristão daquela época nos desafia a levar a seus compatriotas um Evangelho não debilitado. Disse alguém que os chamados cristãos têm vacinado o mundo com um cristianismo suavemente degenerado, de modo que os homens agora estão imunes contra o verdadeiro Evangelho.
“Em terceiro lugar” – continuou Gandhi – “eu sugeriria que os senhores ponham ênfase no amor, porque o amor é o centro e a alma do Evangelho cristão”. Não se referia ao amor como simples sentimento, mas ao amor como poder em ação, expresso em serviço abnegado, e desejava que ele encontrasse aplicação por parte dos indivíduos, grupos, raças e nações, como poder unificador e salvador do mundo.
Quando entendermos que amar e servir são partes de um mesmo processo, seremos capazes de agir de modo a socorrer a todo aquele que em algum momento de sua vida tropeçou e precisa de nossa ajuda para continuar. Isto porque amar e servir é a nossa razão de viver!
Samuel Câmara
Pastor da Assembleia de Deus em Belém
E-mail: samuelcamara@boasnovas.tv