Aflições são como goteiras


pr_samuel

O autor (desconhecido) do maior Salmo da Bíblia fez uma declaração, no mínimo inusitada, sobre o resultado benéfico de ele ter passado pela aflição: “Foi-me bom ter eu passado pela aflição, para que aprendesse os teus decretos”. Linhas antes, ele dissera por quê: “Antes de ser afligido, andava errado, mas agora guardo a tua palavra” (Salmo 119.67,71). Quanta sinceridade! Coisa incomum na humanidade, não é mesmo? Porque, geralmente, quando alguém passa por adversidades e tribulações, uma das primeiras reações é tentar achar um culpado, sempre o “outro”. Não raro, Deus leva toda a culpa. Mas a pessoa achar que mereceu a aflição, e que a mesma lhe fez um enorme bem, isso é realmente extraordinário.
Um livro devocional publicado em 1696, de autor desconhecido, tentando consignar uma lógica nas aflições, faz esta sábia afirmação: “As aflições são para a alma como a chuva para uma casa. Não sabemos que existem buracos no telhado até que comecem as goteiras. Talvez não saibamos que existam falhas em nossa alma, até que chegue a aflição e vejamos incredulidade, impaciência e medo pingando em muitos lugares”.
De fato, as aflições são um teste que prova o tipo de pessoas que somos. Se existem defeitos em nossa estrutura interior, eles acabarão aparecendo sob a pressão dos problemas e tribulações.
Quando a própria pessoa, como o salmista, encontra as razões e os benefícios da aflição, a vida reencontra o seu eixo e tudo acaba bem. Mas, no extremo oposto, quando passamos por aflições inexplicáveis e absolutamente desproporcionais, a situação não é tão simples. E tudo tende a piorar enormemente quando os próprios “amigos” tentam lançar a culpa das mesmas sobre nós, mesmo sem terem uma razão plausível.
Foi esse o ocorrido com o Patriarca Jó. Visitado por seus amigos, quando passava por uma grande e inexplicável tribulação, teve de aguentar a ladainha de que estava sendo punido por causa de seus próprios pecados. Porém, a visão de Deus sobre Jó era totalmente diferente. Deus dissera: “Porque ninguém há na terra semelhante a ele [Jó], homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desvia do mal” (Jó 2.3).
Os amigos de Jó tinham uma visão elevada de Deus e grande zelo por Seus padrões de santidade e justiça. Um deles, chamado Elifaz, observou corretamente que, quando fazemos o que é certo, estamos apenas fazendo o que Deus exige. Portanto, não devemos esperar nenhuma recompensa especial (Jó 22.3). O maior erro desses “amigos”, contudo, foi insistir erroneamente que os problemas de Jó eram exclusivamente culpa sua. Nisso, eles são exatamente iguais a muitos “amigos” que encontramos pela vida.
Não devemos esquecer que um autoexame seja uma atitude saudável, quando há razões para tal. Mas não podemos ficar nos acusando (ou acusando outros) por problemas e tribulações pelos quais passamos, quando nem mesmo temos uma explicação ou justificativa que nos remeta a um mínimo de sensatez na avaliação. O certo é que a maioria das adversidades que enfrentamos na vida é resultado de vivermos num mundo moralmente caído e imperfeito. Elas sempre nos acompanharão, independentemente de errarmos ou não.
O salmista, por exemplo, ao enfrentar uma tempestade de aflições, clamou a Deus: “Salva-me, ó Deus, pois as águas me sobem até a alma” (Sl 69.1). Depois ele reconhece que não precisaria temer, pois Deus é um Pai amoroso que, por fim, lhe socorreria. Certamente Deus permitiu que as águas viessem para purificá-lo e ajudá-lo a ver onde a sua vida precisava de reparos.
Cada um de nós deve se perguntar: Como eu me comporto em meio às aflições de uma tempestade de problemas? Fico aborrecido, irritado, incrédulo, com medo, ou simplesmente me rebelo e culpo a Deus pelos males que me afligem?
A maioria das dificuldades que enfrentamos na vida, tal como uma goteira no telhado, tem a serventia de revelar as nossas necessidades espirituais que precisam de preparo ou de reparo. A primeira ocorre quando Deus usa as adversidades visando a nos preparar emocionalmente para ajudarmos outras pessoas. O apóstolo Paulo escreveu: “Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai de misericórdias e Deus de toda consolação! É ele que nos conforta em toda a nossa tribulação, para podermos consolar os que estiverem em qualquer angústia, com a consolação com que nós mesmos somos contemplados por Deus” (1Co 1.3-4).
A segunda, quando Deus usa as aflições como “testes” para provar a nossa fé e nos aprovar na vida, depois de consertarmos as “goteiras no telhado”, como afirma Tiago: “Meus irmãos, tende por motivo de toda alegria o passardes por várias provações, sabendo que a provação da vossa fé, uma vez confirmada, produz perseverança. Ora, a perseverança deve ter ação completa, para que sejais perfeitos e íntegros, em nada deficientes” (Tg 1.2-4).
O problema de muitas pessoas, às vezes, não é tanto o passar pelas aflições, mas clamar a um Deus silente. E quando Deus se mantém calado, isso acaba se tornando um grande problema. “Se pelo menos Deus falasse alguma coisa!” – é o suspiro insofismável das almas aflitas.
De qualquer modo, quando Deus permite que passemos por adversidades, e Ele se mantém calado, certamente isso encerra uma eloquente mensagem: “Continue! Enfrente as lutas. Conserte as goteiras. Eu estou aqui!”. Ou seja, nesse caso, Deus fala muito melhor quando se mantém calado.
O silêncio de Deus também enseja uma resposta: “Você está pronto para reparar as “goteiras” no telhado e vencer as aflições?”

Samuel Câmara

Pastor da Assembleia de Deus em Belém

E-mail: samuelcamara@boasnovas.tv