O que dizer pra minha mãe?


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Causou espanto e admiração a atitude do velocista espanhol Ivan Fernandez Anaya durante uma corrida cross-country, em dezembro de 2012, em Navarra (Espanha). Fernandez era o segundo colocado na corrida quando viu o queniano Abel Mutai, que liderava a prova com folga, diminuir o ritmo a menos de 20 metros da vitória, certamente por achar que já havia cruzado a linha de chegada. Ao invés de aproveitar a oportunidade para ultrapassar o queniano e vencer a corrida, o espanhol fez questão de alertar Abel Mutai, campeão olímpico dos 3000m com obstáculos, praticamente empurrando-o a cruzar a linha de chegada.

Em entrevista ao jornal espanhol El País, Fernandez disse: “Eu não merecia vencer. Eu fiz o que tinha que ser feito. Ele era o real vencedor da prova, liderava com folga e eu não tinha condições de vencer. Ele cometeu um erro e, assim que eu vi isso, sabia que não poderia me aproveitar da situação”.

Quando perguntado por que procedeu daquele modo, Fernandez pareceu chocado com tal questionamento, como se não lhe houvesse nenhuma outra opção aceitável, e respondeu: “Se eu ganhasse aquela corrida, qual seria o mérito da minha vitória? O que eu iria pensar de mim mesmo? Se eu subisse no mais alto do pódio, qual seria a honra da minha vitória?”. Depois de vários questionamentos, pois até o seu técnico o censurou duramente por não ter ganhado a corrida, Fernandez então emendou: “Se eu fizesse isso, o que eu iria dizer pra minha mãe?”

De todas as razões que Ivan Fernandez apresentou, todas verdadeiramente corretas de sua perspectiva ética, essa foi certamente a mais significativa para o seu fair-play. Segundo especialistas da área de psicologia, ele estava querendo dizer que sua mãe era a última fronteira que não queria de modo algum ultrapassar e causar vergonha. Sua mãe era, em suma, o principal referencial de padrão ético que tinha.

Do arcabouço de suas afirmações, alguns especialistas inferiram que Fernandez pensava que se envergonhasse sua mãe, aquela que lhe deu à luz, isso significaria que ele não prestaria para mais nada na vida. Não prestaria para ganhar uma corrida limpa, nem ser um esportista decente; não prestaria também para ser um servidor público, nem um profissional liberal, nem um político; não prestaria nem mesmo para ser seu filho, ou ser pai, marido, nada mais. Em resumo, não prestaria para a sociedade, sendo antes um estorvo da moralidade cívica que um contribuinte da pacificação social. Se envergonhasse sua mãe, não seria merecedor do crédito de mais ninguém. Duro de pensar, mas simples assim, resumido na expressão: o que eu iria dizer pra minha mãe?

Agora, vendo a triste realidade do Brasil, com mensalão e petrolão em desvios bilionários de dinheiro do contribuinte, quando muitos parlamentares e líderes políticos, assim como empresários proeminentes e funcionários públicos, estão intimamente entrelaçados em conchavos de corrupção e delapidação do erário, podemos perguntar: esse pessoal não tem mãe ou não tem ética, ou simplesmente não considera os dois?

O que deu errado com essa geração? O que diria a mãe de cada pessoa envolvida em atos ilícitos, ao sabê-lo na categoria de corrupto ou corruptor? Ou essa gente não liga, não se importa, não tem consciência e, como se diz, está se lixando? E o que cada um diria para sua própria mãe sobre seus malfeitos?

Obviamente as mães não precisam carregar tal peso de responsabilidade, e não queremos sugerir que as mães sejam eternas polícias de seus filhos, principalmente quando são donos de seus próprios narizes. Mas devemos, sim, esperar que cada pessoa, homem ou mulher, político ou servidor público, empresário ou empregado, todos indistintamente, tal como o velocista Ivan Fernandez Anaya, tenha pelo menos a ousadia de pensar, antes de praticar algo de que se envergonharia ou causaria vergonha depois, no que falaria à sua própria mãe. E muito mais ainda se fosse apanhado em atos ilícitos e degradantes.

Até mesmo os que já perderam suas mamães, cujas cobranças morais e éticas estão circunscritas à dimensão de suas memórias, deveriam se perguntar a mesma coisa: O que eu iria dizer pra minha mãe?

Cada pessoa deveria considerar que se não pode falar abertamente do que fez ou pretende fazer, principalmente para sua mãe, sem corar de vergonha ou temer um safanão, então não deve fazer de modo nenhum. Isso, por si só, seria um poderoso antídoto contra a corrupção e o crime. Seria também um balizamento para um caráter ilibado e uma personalidade íntegra. E isso, com certeza, traria um enorme benefício para a construção de uma sociedade mais densa de moralidade cívica, justiça e equidade social.

A mãe de Fernandez não recebeu o filho com uma medalha de ouro no peito, mas tinha sobejas razões para celebrar a sua atitude. Ela sabia que seu filho escolhera algo mais precioso do que o ouro que perece ou mais elevado que a efêmera glória de um triunfo do qual jamais se orgulharia. Ele escolheu fazer o que é certo, mesmo que isso significasse não levar vantagem para ganhar a corrida. Escolheu o caminho da honra e da dignidade, e fez valer tudo o que sua mãe lhe ensinou. Esse certamente é o melhor presente que um filho pode dar a sua mãe.

Feliz Dia das Mães!

Samuel Câmara

Pastor da Assembleia de Deus em Belém

E-mail: samuelcamara@boasnovas.tv