A história registra imensos períodos marcados pelos mais diversos tipos de intolerância: entre etnias, religiões, regimes políticos etc. A intolerância é a arma preferida de quem não admite opinião divergente da sua e, por isso, parte para ações extremas para impor a sua visão de mundo e as suas razões de vida.
As atrocidades cometidas por muçulmanos contra cristãos e judeus em vários séculos de sua saga expansionista, assim também como a de cristãos contra mulçumanos no período das Cruzadas, foram fruto da intolerância!
A Reforma Protestante só aconteceu por causa da intolerância do alto clero dominante, pois o próprio Martinho Lutero declarou que jamais pretendera sair do seio da Igreja Católica. O holocausto de seis milhões de judeus, patrocinado pelo governo nazista, é o exemplo-mor de como a intolerância política pode gerar tragédias inomináveis.
No Brasil, os evangélicos sofreram enormes perseguições da Igreja Católica, principalmente no início do século XX, com templos queimados, espancamentos e prisões. Nos Estados Unidos, a Klu-Klux-Klan se insurgiu principalmente contra negros e judeus, matando-os em fogueiras e forcas. O mundo ficou chocado quando soube que os protagonistas de alguns desses crimes eram, na sua maioria, comportados diáconos de uma igreja cristã.
A intolerância, em qualquer área que se pense, é um desvario, e pode gerar surtos incontidos de violência, não importa se esteja travestida de motivos sociais, religiosos ou políticos. Mas invariavelmente tem mostrado a sua face mais bestial quando junta essas motivações e desemboca em crimes, desrespeito aos direitos humanos, ou mesmo num terrorismo patrocinado por qualquer regime político, teocrático ou não.
O mundo não se incomodou muito quando as milícias hutus, em abril de 1994, avançaram contra vilarejos e cidades de Ruanda, perseguindo e trucidando membros da minoria tutsi, estuprando suas mulheres, num genocídio que bateu a marca de 1 milhão de pessoas assassinadas. Era em um país pobre da África.
Mas quando as veias abertas da intolerância religiosa e política fizeram com que a violência apresentasse sua face mais absurda e cruel no covarde ataque terrorista da Al-Qaeda às Torres Gêmeas, nos Estados Unidos, em 11 de setembro de 2001, com a morte de quase três mil pessoas, o mundo quase surtou de espanto e comoção.
Há muitos outros exemplos que poderiam ser citados. Em 2006, depois que um pequeno jornal dinamarquês publicou charges do profeta Maomé, uma onda de protestos, embora inicialmente restrita aos países muçulmanos, pôs o mundo islâmico em clima de guerra santa. Escritórios de representações europeias foram atacados, bandeiras foram queimadas, produtos dinamarqueses sofreram boicote, e também foram exigidas “desculpas públicas” por dezenas de países árabes. Perguntava-se na época o que tal indignação intolerante produziria ainda?
Em 7 de janeiro de 2015, o mundo ficou chocado quando o jornal satírico francês Charlie Hebdo sofreu um covarde atentado terrorista de fanáticos muçulmanos, que resultou em doze pessoas mortas e cinco feridas gravemente. Era uma punição por terem publicado charges do profeta Maomé, consideradas ofensivas aos muçulmanos.
Claro que não é sensato fazer chacota a respeito de qualquer religião, muito embora no Ocidente o direito à liberdade de expressão seja uma realidade na maioria dos países. Mas deixar que a intolerância prevaleça e desemboque em violência é algo profundamente preocupante. O problema é que a intolerância inviabiliza qualquer chance de diálogo entre as democracias seculares e o mundo islâmico em geral, e particularmente em se tratando de terroristas ensandecidos do Estado Islâmico e seus congêneres.
O grupo radical Estado Islâmico reivindicou a responsabilidade pelos ataques do último dia 13 em Paris, que mataram mais de 129 pessoas e deixaram outras 352 pessoas feridas, 99 em estado grave, considerado o pior ataque terrorista à França na história recente.
Há uma questão essencial que, a meu ver, está na raiz do problema, mas não está sendo discutida. É a liberdade religiosa, um princípio sagrado nas democracias consolidadas. Normalmente, há liberdade para os muçulmanos se estabelecerem e pregarem sua fé em países democráticos, notadamente de origem cristã. Mas a recíproca não é verdadeira. Nenhuma outra religião pode pregar ou viver livremente a sua fé nos países muçulmanos. Intolerância pura!
Tudo aponta para o fato de que o mundo islâmico desconhece o sentido da palavra liberdade. O historiador inglês Paul Johnson afirmou que “Islã não significa paz, mas submissão”. Nesse caso, submissão e liberdade são conceitos totalmente excludentes.
Assim, proibindo a liberdade lá e aproveitando-se da liberdade cá, o islamismo continua o seu avanço indomável rumo ao ocidente, sem ser incomodado, pois há liberdade democrática de expressão e de culto. Assim, a questão é: se o ocidente se tornar de maioria muçulmana, o que será da nossa liberdade?
É preciso, sim, sermos tolerantes no que diz respeito à abrangência dos direitos políticos e religiosos a todos os cidadãos e, assim, admitirmos modos de pensar, de agir e de sentir que diferem de cada um como indivíduo e como grupos determinados. Mas isso, por si só, não é suficiente.
Precisamos pensar na intolerância islâmica, mas também precisamos ver que somos excessivamente tolerantes com o pecado e a corrupção em todas as suas formas e matizes. O Brasil e o mundo precisam se voltar para os ensinamentos da Bíblia, porque somente isso nos fará conhecer a verdade, temer a Deus e ser verdadeiramente livres (Jo 8.32).
Em suma, se tivermos de ser intolerantes, que o sejamos contra o pecado e o mal, pois só assim manteremos a liberdade que tão alto preço custou às gerações passadas. O triste será quando, por conivência culposa ou mera irresponsabilidade, não pudermos mais escolher ficar com a tolerância da liberdade e termos de nos submeter à intolerância do extremismo.
Samuel Câmara
Pastor da Assembleia de Deus em Belém
E-mail: samuelcamara@boasnovas.tv