Cícero, o maior orador de todos os tempos, era tido pelos historiadores como “a mais fluente língua da história humana”. Ele teve a sua desgraça por tentar ser filósofo e político ao mesmo tempo. Como filósofo, via em geral os dois lados de uma questão. Como político, era forçado a tomar partido de um só lado. Assim, não sabendo que lado tomar, dissimulava. O problema foi saber se, na guerra civil romana, tomaria o partido de Pompeu ou de César. Incapaz de tomar uma decisão coerente, proferiu brilhantes discursos, ora em favor de um, ora em favor de outro. Como resultado, teve dois inimigos, em vez de um amigo e um inimigo.
Eis um exemplo de hipócrita clássico. O que define um hipócrita tem raízes históricas. O termo vem do teatro grego, cujos atores representavam com uma “hypokrités” ou máscara. Por definição, o hipócrita é um impostor, é alguém que finge e simula, é um falso. Sua máxima é: “Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. Assim, em toda falsa devoção há um hipócrita de plantão.
Dizem que só havia um tipo de homem que Sócrates odiava: o hipócrita. Ele tinha prazer em denunciar os que pensavam uma coisa e diziam outra, e especialmente aqueles que pretendiam se passar por sábios, quando na verdade não passavam de tolos. Nada havia que aborrecesse mais a Jesus que os hipócritas. Por isso, Ele orientava as pessoas que não fossem como os tais e não orassem como os mesmos oravam, pois diziam o que não sentiam e apenas queriam ser reconhecidos e louvados pelos homens (Mt 6.1-6).
O hipócrita não é somente desonesto com as outras pessoas; é, sobretudo, desonesto consigo mesmo. Ele consegue ver como falhas nos outros aquilo que em si mesmo celebra como virtude. Seu autoengano resiste bravamente a admitir a própria verdade. Enquanto os outros têm preconceitos, ele tem convicções. Os outros são convencidos; ele tem autoestima. Quando o outro gasta tempo com sua aparência pessoal, é vaidade; mas, se é ele, está apenas a cuidar bem do corpo que Deus lhe deu. O que nos outros o hipócrita vê como afetação, em si mesmo entende apenas como sensibilidade. O que em si vê como senso moral, nos outros define como melindre. Ele pode discordar de tudo e de todos; mas quando discordam dele, acaba rotulando tudo com algum tipo de fobia.
O povo brasileiro, de certa forma, já se acostumou com a hipocrisia, principalmente a de líderes religiosos, que pregam o que eles próprios não vivem; e a de políticos, que prometem mundos e fundos para, depois de eleitos, sofrerem de amnésia crônica, esquecendo o que foi prometido, ou simplesmente fazendo diferente do previamente anunciado.
Para o hipócrita, sim e não são relativos; dependem da ocasião e da sua disposição. De certo modo, muitos não se surpreendem mais em ouvirem o “sim” de alguns sobre um assunto se transformar depois em um “não” sobre o mesmo assunto. Isso pode perecer normal para algumas pessoas, mas, na verdade, é como a impossibilidade de uma fonte jorrar água doce e salgada ao mesmo tempo. Desse modo, duas coisas ficam patentes: além de desautorizarem eles próprios as suas primeiras “verdades”, deixarão no ar a dúvida de que, depois, não estarão a dizer toda a verdade.
O filósofo grego Hegesias era um grande e incorrigível hipócrita. Em sua busca tateante da verdade, concluiu que a vida era um engano trágico e que a morte era o dom supremo. Por isso, dedicou a vida toda à pregação do ideal da morte, organizando clubes de suicidas e induzindo muitos jovens ao suicídio. Quanto a ele mesmo, viveu até a idade de oitenta anos. Quando lhe perguntavam por que não praticava o que pregava, ele dissimulava e dizia que, se morresse, ninguém tomaria o seu lugar para ensinar o prazer da morte. Quanta hipocrisia!
O hipócrita pode ser espertalhão, mas não é sábio. Sábio vem do Latim sapidu, “o que tem sabor”. Refere-se a pessoas que são ajuizadas e prudentes. Em um sentido mais amplo, o sábio é aquele que tem sabedoria; é o erudito, o versado.
Não há sabedoria na hipocrisia. O sábio não pode ser hipócrita, nem o hipócrita pode ser sábio. De fato, penso que ninguém gosta de hipócritas e cada um de nós, de algum modo, deseja ser tido por sábio. O hipócrita nem é tão esperto quanto imagina. Por isso, devemos não somente olhá-lo sob a ótica da suspeita meticulosa, mas também procurar aprender com os sábios em seu zelo pela verdade. Porque a vida e a felicidade podem depender disso.
Sábio é aquele que trilha caminhos direitos, cujo sim, do início ao fim, é sim; e o não, é não. Isto foi ensinado por Jesus: “Seja, porém, a tua palavra: Sim, sim; não, não. O que disto passar vem do maligno” (Mt 5.37).
O sábio, quando erra, é honesto o suficiente para confessar que errou. O hipócrita diz sim e não, dissimuladamente; só confessa quando é descoberto. Do político ao bandido comum, essa tem sido uma imagem normal na vida nacional. Pessoas chorando diante das câmeras, não de arrependimento, mas de remorso… tão somente porque foram pegas nas suas hipocrisias.
O hipócrita, quando se olha no espelho, vê apenas um hipócrita. O sábio vê o reflexo de um sábio. E você, diante do espelho, o que vê?
Samuel Câmara
Pastor da Assembleia de Deus em Belém
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