Numa parábola, Jesus contou a seguinte história de um fazendeiro rico: “O campo de um homem rico produziu com abundância. E arrazoava consigo mesmo, dizendo: Que farei, pois não tenho onde recolher os meus frutos? E disse: Farei isto: destruirei os meus celeiros, reconstrui-los-ei maiores e aí recolherei todo o meu produto e todos os meus bens. Então, direi à minha alma: tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e regala-te” (Lc 12.16-19).
Aquele homem adorava um monólogo, arrazoando consigo mesmo e tomando as decisões que lhe convinham. E parecia que ninguém estava a notá-lo nem a ouvi-lo. Mas Deus, que o observava, lhe disse: “Louco, esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será?”
Penso que a mensagem de Jesus procura chamar a atenção para o fato de que somos o que pensamos. Os monólogos, os solilóquios da alma, falam mais alto que os discursos públicos. Portanto, quando alguém está a falar consigo mesmo, não está simplesmente “pensando alto” apenas, mas, principalmente, está revelando o produto interno do seu coração. Se os pensamentos são maus, a pessoa será má; se os pensamentos são puros, a vida da pessoa será pura.
Pode parecer esquisitice alguém falar sozinho. Mas isso é mais comum do que parece. Certo homem, quando indagado por que sempre conversava sozinho, respondeu: “Tenho dois motivos: primeiro, porque gosto de ouvir uma pessoa inteligente falar. Segundo, porque gosto de falar com uma pessoa inteligente”.
De fato, em todo lugar podem ser vistas pessoas que andam pelas ruas profundamente entretidas em seus solilóquios, como se travassem discussões sérias. Não é difícil encontrar crianças falando sozinhas, ou que têm “amigos secretos” que nada mais são que elas próprias. Há quem recorra a práticas excêntricas, como a “terapia do espelho”, quando a pessoa fala consigo mesma, cara-a-cara diante do espelho, e o “eu” derrama a alma diante de “mim”.
O que importa, afinal, não é só o que as pessoas falam quando conversam consigo mesmas. Importa mais saber que não se pode mentir para si próprio. Mesmo que trave uma luta interna de si para si, quando o “eu” que quer fazer o bem se contrapõe ao “eu” que quer fazer o mal, a consciência estará lá como um implacável “juiz”.
Paulo expressou bem isto em sua carta aos Romanos: “Porque nem [eu] mesmo compreendo o meu próprio modo de agir, pois [eu] não faço o que [eu] prefiro, e sim o que [eu] detesto. Ora, se [eu] faço o que [eu] não quero, [eu] consinto com a lei, que é boa” (Rm 7.15). Incluímos o sujeito oculto [eu] no texto original para indicar que, na briga dos dois “eu” internos, na medida em que consinto com a lei, acabo me tornando o meu próprio juiz.
O que converso comigo mesmo fala mais de mim do que aquilo que falo de mim mesmo a outras pessoas. Eu me descubro mais a mim mesmo quando me contraponho comigo mesmo no espelho da minha alma do que o faço quando falo de mim a outras pessoas.
Jesus sabia disso muito bem. Está escrito que Jesus “não precisava de que alguém lhe desse testemunho a respeito do homem, porque ele mesmo sabia o que era a natureza humana” (Jo 2.25). Por isso Ele fazia perguntas e esperava a resposta, ou seja, que a pessoa saísse de seu “casulo” existencial, para depois curá-las de suas mazelas.
Como Ele conhecia essa predisposição humana de conversa do “eu-comigo”, foi contundente quanto à essência desses monólogos. Ele disse: “O homem bom do bom tesouro do coração tira o bem, e o mau do mau tesouro tira o mal; porque a boca fala do que está cheio o coração” (Lc 6.45).
O que é conversado na intimidade do “eu-comigo” revela o que está em cada coração. Podem ser coisas boas, coisas ruins, coisas sábias, coisas tolas, coisas saudáveis, coisas doentias. O resultado é determinado pelo que está no íntimo, no coração. E muitas vezes os monólogos revelam o rumo da alma, ou almas que não têm rumo algum.
Jesus alertou para o fato de que uma oração egoísta – aquela que se presta a achar defeitos nos outros, em vez de assumir suas próprias falhas – é um simples monólogo. Ele falou a respeito de um fariseu que “orava de si para si mesmo”, enquanto se louvava e acusava a outro homem “pecador” que estava nas proximidades (Lc 18.9-11). Sua alma estava trancada em si mesma, sem rumo, num monólogo vazio, sem perspectiva alguma de amar ao próximo ou de se aproximar de Deus. O resultado é que o “outro” foi justificado diante de Deus, não ele. O fariseu gostava apenas de ouvir sua própria voz e dar razão a si mesmo pela vida vazia e sem sentido que levava.
Não deixe a sua alma vagando sem rumo em monólogos intermináveis. Fale consigo, pergunte a si mesmo como está a sua situação diante de Deus. Pergunte-se onde passará a eternidade. Pergunte a sua alma se você precisa de Deus. Deixe o “eu” responder a verdade. Depois, fale com Deus sobre isto. Ele ouvirá você e o ajudará a encontrar “em Jesus” o rumo certo para sua vida.
Samuel Câmara
Pastor da Assembleia de Deus em Belém
E-mail: samuelcamara@boasnovas.tv